Diretor da Aneel fala em cancelar todas as outorgas em processo de fontes incentivadas e pede vista

Camila Maia

Autor

Camila Maia

Publicado

30/Abr/2024 19:31 BRT

A diretoria da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) discutiu o cumprimento de uma determinação do Tribunal de Contas da União (TCU) a respeito do enquadramento de empreendimentos renováveis como incentivados, aqueles que fazem jus ao desconto nas tarifas de transmissão e distribuição de energia.

A diretora Agnes da Costa, relatora do processo, votou no sentido de abrir uma consulta pública para debater a nova regra, mantendo o benefício para as outorgas já concedidas, devido à questão da segurança jurídica, mas o diretor Ricardo Tili pediu vista, insatisfeito com os tratamentos distintos que seriam dados aos futuros projetos e aos existentes.

A iniciativa do TCU

O processo foi instruído depois que o TCU fiscalizou a concessão dos descontos para fonte renovável, para projetos enquadrados como incentivados, e concluiu que foram concedidos benefícios "irregulares" para geradores cujo projetos ultrapassam o limite da lei, que enquadra no subsídio parques que tenham entre 30 MW e 300 MW.

>> Descontos no fio estão suspensos até regulamentação da Aneel, resolve TCU

Segundo o TCU, o fatiamento dos projetos com tamanho inferior a 300 MW foi uma forma de burlar a regra, e por isso, em novembro do ano passado, a corte suspendeu a aprovação de novos descontos pela Aneel, e deu prazo de 180 dias para que a agência apresentasse um plano de ação para aprimorar a regulação.

Em janeiro, o Tribunal voltou a falar sobre o tema, provocado por embargos apresentados pela Aneel, e liberou a autorização de outorgas, mas sem a garantia do desconto pelo fio até que a questão seja regulamentada. Além disso, o TCU determinou que a agência avaliasse a aplicação retroativa dos novos critérios para empreendimentos outorgados. A ordem acendeu um alerta no setor, pela preocupação com a segurança jurídica.

Segurança jurídica para outorgas existentes

O voto da diretora Agnes da Costa, relatora do processo, refletiu o parecer da Procuradoria-Geral junto à Aneel, que afirmou que a decisão do TCU não deve retroagir para alcançar as outorgas concedidas até então e enquadradas como incentivadas. Segundo o parecer, embora a interpretação anterior tenha sido considerada errada, ela foi respaldada por motivação técnico-regulatória.

"O princípio da segurança jurídica se estende a todas as outorgas vigentes, independentemente da fase do empreendimento", diz o parecer, que afirma que o que é relevante para análise, agora, é a interpretação da norma vigente no momento da concessão da outorga.

A advogada Solange David, que fez uma sustentação oral representando dez empresas de renováveis durante a reunião, disse que a questão da aplicação retroativa causa "preocupação imensa, principalmente por conta de uma interpretação sobre questões técnicas colocadas e questões que dizem respeito à própria decisão de negócio", disse. Juntas, as dez empresas representadas por ela (Copel, CPFL, CTG, EDF, EDP, Elera, Engie, Neoenergia, AES Brasil e Enel) somam 20 GW em ativos renováveis operacionais e mais 5 GW em implementação, envolvendo R$ 22 bilhões de investimentos.

O temor de um aumento da percepção de risco no mercado foi citado diversas vezes ao longo do voto da diretora Agnes da Costa, assim como a possibilidade de repasse do aumento de custos com o fim do desconto aos consumidores de energia.

A proposta da diretora envolvia justificar os atos praticados pela Aneel no passado, e determinar novas regras para aplicação do desconto em novos pedidos de outorga que sejam apresentados.

Divergência no colegiado

A reunião desta terça-feira aconteceu com a presença de quatro dos cinco diretores da Aneel, e as declarações do diretor-geral, Sandoval Feitosa, e do diretor Hélvio Guerra, indicavam que eles não tinham objeções sobre o longo voto lido pela diretora Agnes da Costa, mas ao fim da leitura, o diretor Ricardo Tili abriu a divergência.

Na sua fala, Tili disse que em diversas ocasiões o TCU afirmou que a Aneel interpretou de maneira equivocada a lei que trata do desconto pelo uso da rede, e reclamou que a agência abdicou de contestar a decisão da corte sobre isso. Segundo Tili, se a Aneel entende que não houve ilegalidade nos atos de liberar a outorga incentivada para empreendimentos fatiados, deveria contestar a decisão do Tribunal, e não acatar para o futuro sem tomar medidas sobre os contratos passados.

Assim, a agência teria duas opções: cancelar as outorgas existentes com desconto pelo uso da rede para todos enquadrados na nova regra (com mais de 300 MW), e mudar a regra para todos, ou não fazer nada e contestar a decisão do TCU.

O procurador-geral junto à Aneel, Raul Lisboa, afirmou então que não regulamentar o assunto seria descumprir a decisão do TCU, e defendeu seu entendimento de que a lacuna na regulamentação é que justificava a interpretação anterior da Aneel sobre o tema.

Antes do pedido de vista de Tili, os outros diretores reforçaram o entendimento em linha com o voto da relatora. Hélvio Guerra disse preferir ser conservador, garantindo a segurança para investidores e sem mexer no passado, enquanto Sandoval afirmou que se a diretoria avalia que mesmo entendendo que o passado tenha cumprido os preceitos da legalidade, "isso não nos furta de avaliar para o futuro eventuais aprimoramentos que tenhamos que fazer".