Arthur Sousa escreve - A geração distribuída além da sustentabilidade: como a fonte impacta a geração de empregos

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Publicado

15/Dez/2023 18:00 BRT

Por: Arthur Costa Sousa*

O avulte da agenda ambiental tem sido um fator nevrálgico para que fontes alternativas de produção de energia elétrica ganhem tração global durante os últimos anos. No Brasil, esse debate remete à Lei 14.300/2022, em vigor desde janeiro de 2022, considerada um marco legal da geração de energia distribuída no país. Desde então, essa modalidade consolidou seu crescimento a ponto de contribuir para que a energia solar se tornasse a segunda na matriz elétrica nacional e incluir o país entre os dez maiores produtores de energia solar do planeta. Também reside aí um dos pilares de crescimento da geração distribuída, que já representa 11% de toda a geração de energia em âmbito nacional, um total em torno de 210,7 GW. O crescimento da GD, contudo, tem benefícios que vão muito além da sustentabilidade. É preciso pensar nesse modelo também em uma perspectiva de desenvolvimento socioeconômico.

O sistema elétrico brasileiro é baseado em um complexo emaranhado baseado em três linhas (alta, média e baixa tensão). A rede depende de entidades geradoras e de distribuidoras, que podem ser públicas ou privadas, para que a energia circule de um canto a outro do país. Desde 2004, quando o conceito de geração distribuída apareceu pela primeira vez no cabedal legal do país (Decreto Lei Nº 5163), passando pela Resolução Normativa 482/2012, posteriormente ampliada pela RN 687/2015, a geração distribuída significa uma completa mudança de paradigma.

Isso ficou ainda mais evidente na Lei 14.300/2022, que sedimentou as regras do setor. Por conceito, a energia advinda de geração distribuída substitui a comercialização pelo autoconsumo. Isso significa que além de consumidores poderem instalar painéis solares nas residências e comércios, empresas podem construir pequenas usinas de energia solar, por exemplo, e arrendar para cooperativas ou consórcios, formados por grupos de unidades que consumirão a sua própria energia gerada. Não existe, portanto, uma cobrança de tarifa relacionada ao consumo.

O modelo de GD tem contribuído para um crescimento vertiginoso da energia solar. Entre 2021 e 2022, segundo o Ministério de Minas e Energia, a geração de energia elétrica por meio de painéis solares aumentou 79,8% no Brasil. Neste ano, dados da Absolar (Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica) mostraram que 3 milhões de unidades (casas, lojas, empresas ou outros imóveis) do país utilizam energia com geração própria. A capacidade de geração de energia elétrica solar já é a segunda na matriz energética nacional (com 15,6%, perde apenas para os 50% aportados pela energia hídrica).

De acordo com um levantamento do Canal Solar com base em dados da Aneel, 15 estados brasileiros já dispõem de pelo menos um sistema de energia solar com GD em cada um de seus municípios – o que representa outra grande evolução, já que eram apenas sete em dezembro de 2021.

Em novembro, outro dado corroborou o crescimento do setor: o Operador Nacional do Sistema Elétrico registrou no dia 13 um novo recorde na demanda instantânea de carga do Sistema Interligado Nacional, que superou pela primeira vez o patamar de 100 mil MW. Segundo a entidade, o comportamento da carga está diretamente ligado à onda de calor no país e a GD atendeu a 10,8% dessa carga (volume superado apenas pelos 61,1% da geração hidráulica).

O crescimento da geração distribuída é um dado consolidado, e isso nos permite debater as oportunidades oriundas desse novo contexto. O mais óbvio é uma combinação entre sustentabilidade e custo, já que as cifras necessárias para arrendar uma usina podem ser diluídas entre vários consumidores e o modelo prescinde de tarifas.

Há vantagens, porém, que escapam a essa primeira leitura. A mais clara delas é a regionalização, fator relevante para uma país de dimensão continental como o Brasil: enquanto na rede um consumidor pode comprar energia gerada a milhares de quilômetros de distância, na GD a circulação é mitigada pela proximidade geográfica. Isso desonera a rede nacional e facilita o acesso à energia em regiões que enfrentam questões de infraestrutura, por exemplo.

Outro ponto, que talvez seja o mais relevante nesse debate, é o impacto socioeconômico. A estrutura da GD está alicerçada na compra de painéis que na maioria dos casos são importados, é verdade, mas a instalação, a manutenção e todos os serviços adicionais acabam desenvolvendo redes regionalizadas de provedores de serviços.

A lógica é diferente, por exemplo, do que é aplicado na rede operada por distribuidoras, que são empresas de um porte maior. Usinas são instaladas normalmente em comunidades rurais ou nos arredores de cidades pequenas ou médias, contribuindo sobremaneira para o desenvolvimento dessas regiões. O que o histórico nos mostra é que obras de GD são realizadas por empresas de pequeno e médio porte. É um mercado acessível para empreendedores que já estavam em outros segmentos, e isso tem contribuído muito para o desenvolvimento de toda a cadeia.

Segundo a Absolar, desde 2012, a energia solar trouxe mais de R$ 170 bilhões em investimentos para o país, gerou mais de R$ 47,9 bilhões em arrecadação fiscal e proporcionou a criação de mais de 1 milhão de empregos. Além disso, contribuiu para evitar a emissão de 42,8 milhões de toneladas de CO2 na geração de eletricidade. Na geração distribuída, o Brasil tem 25 GW de capacidade instalada – em outras palavras, isso representa R$ 122,5 bilhões em investimentos, R$ 31,2 bilhões em arrecadação e mais de 730 mil empregos acumulados desde 2012.

Os dados são corroborados por exemplos de outros países. Nos Estados Unidos, por exemplo, um estudo da Mordor Intelligence estima que a geração distribuída cresça em média 10% por ano até 2028. Na Alemanha, o governo tem um projeto chamado Energiewende (algo como transição energética, em tradução livre) e oferece um auxílio para quem instala painéis solares. A região de Baden-Württemberg, no sudoeste do país, foi além e instituiu uma lei em 2020 para exigir a instalação de painéis fotovoltaicos em todos os novos prédios construídos, medida que Berlim também adotou no ano seguinte.

A geração distribuída é uma alternativa mais sustentável, econômica e viável do ponto de vista regional. O que o desenvolvimento do setor tem mostrado, contudo, é que esse também é um importante caminho para o desenvolvimento de empreendimentos locais e para a consequente geração de oportunidades.

Investir em GD é um caminho para uma matriz energética mais limpa e eficiente, mas também para a evolução socioeconômica.

*Arthur Costa Sousa é CEO da GDSUN e conselheiro do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA)

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