Amanda Lamachão escreve - Raios de sustentabilidade: a geração distribuída no Brasil

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Publicado

05/Abr/2024 15:00 BRT

Por: Amanda Lamachão Cardoso*

Sabe-se que a maior parte da matriz energética mundial ainda é composta por fontes não renováveis, nas quais os combustíveis fósseis possuem significativa participação. Apesar dessa realidade, atualmente, o Brasil possui mais de 87% de toda sua matriz elétrica composta por fontes renováveis,[1] com predomínio das hidrelétricas,[2] que ainda são responsáveis por mais da metade do suprimento elétrico nacional. Nesse contexto, servindo de referência internacional, a política interna brasileira tem incentivado a geração de fontes limpas, renováveis e com baixo impacto ambiental, tais como a eólica e a solar. Como decorrência, a geração solar pelos próprios consumidores, tecnicamente chamada de “geração distribuída”, tem se destacado como uma solução inovadora, com vantagens que podem ser sentidas não apenas pelos investidores, mas também por toda sociedade.

A produção de eletricidade por meio da geração distribuída, além de gerar empregos locais e fomentar a economia, permite que a energia ativa produzida seja injetada na rede da distribuidora local, que a compensa com o consumo de energia elétrica do próprio consumidor (pessoa física ou jurídica) e de suas respectivas unidades consumidoras aderentes ao Sistema de Compensação de Energia Elétrica. Ainda, caso haja excedente, essa energia é contabilizada como crédito em favor do “prosumidor”,[3] que se beneficia com a redução de gastos com eletricidade em sua conta mensal.

No Brasil, essa geração própria de eletricidade foi, inicialmente, regulamentada pela Resolução Normativa nº 482/2012 da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). No entanto, diante da grande adesão a essa modalidade, o marco legal da micro e minigeração distribuída no Brasil foi criado, por meio da Lei nº 14.300, de 6 de janeiro de 2022, visando a dar maior segurança jurídica a essa geração solar. Essa lei, por sua vez, ao determinar que apenas as unidades beneficiárias de energia de micro e minigeradores já existentes ou com protocolo de acesso na distribuidora até 07 de janeiro de 2023 são beneficiárias de isenção de regras tarifárias até 31 de dezembro 2045, corroborou o crescimento acelerado dessa fonte no país.[4]

Segundo dados disponibilizados pela Aneel, a fonte solar já ultrapassou 40 GW de capacidade instalada operacional no Brasil,[5] dos quais mais de 27 GW é decorrente de sistemas de geração própria, ficando a menor parte a cargo das grandes usinas, por geração centralizada. Nesse sentido, responsável por mais de 17% da matriz elétrica nacional, a geração solar ocupa posição de destaque como fonte geradora do país, deixando evidente o compromisso do Brasil com a sustentabilidade do planeta, por meio de uma economia de baixo carbono e de baixa emissão de gases de efeito estufa.[6]

Todavia, é importante destacar que, por ser uma energia proveniente de raios solares – logo, uma fonte intermitente –, a geração solar traz inúmeros desafios de operação do Sistema Interligado Nacional (SIN), especialmente quando se fala nos impactos da geração distribuída no sistema elétrico. Como visto, essa modalidade de geração própria permite a compensação de energia pelos consumidores, o que, em princípio, reduz a pressão sobre a rede local, ao reduzir a carga que precisa ser atendida pelo Operador Nacional do Sistema (ONS). No entanto, quando essa geração própria gera excedente de energia (crédito de energia em favor do gerador), esse saldo funciona como uma fonte adicional ao SIN, reduzindo sua demanda total por energia elétrica e, consequentemente, a necessidade de geração de eletricidade. A título ilustrativo, a denominada “Curva do Pato”[7] reflete, justamente, a carga líquida decorrente do efeito da energia solar na curva de demanda nacional por energia elétrica.

Isso significa dizer que a geração solar possui impacto direto na dinâmica operacional do SIN, fazendo com que o ONS fique suscetível às oscilações da incidência solar ao longo do dia, tendo que aumentar ou diminuir as demais fontes geradoras, para controlar as drásticas variações de carga líquida e manter o suprimento elétrico necessário. Em termos práticos, quando há injeção de energia solar excedente na rede, outros geradores precisam ser reduzidos, a fim de evitar o excesso de geração. Da mesma forma, com o pôr do sol, por exemplo, há um aumento da curva de demanda por energia, com a elevação da carga necessária, o que exige disponibilidade imediata de eletricidade de outras fontes, para o rápido atendimento à demanda elétrica do ONS e manutenção da segurança do SIN.

Portanto, em que pese a intermitência da fonte solar apresente significativos desafios operacionais, pode-se concluir que o investimento nela, principalmente quando feito pelos próprios consumidores, traz benefícios que podem ser sentidos nas esferas ambiental, econômica e social. Dessa forma, embora requeira adaptações sistêmicas para a preservação da segurança do sistema elétrico brasileiro, a geração solar mostra-se como verdadeira aliada da sustentabilidade, promovendo perceptível equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e a preservação ambiental.

[1] “De acordo com dados do Balanço Energético Nacional - BEN, em 2022, as fontes renováveis compreendem 87,9% de toda a matriz elétrica do Brasil, uma referência internacional em energia limpa.” (Disponível em https://www.gov.br/mme/pt-br/assuntos/noticias/energia-solar-boa-para-o-meio-ambiente-a-economia-e-a-sociedade. Acessado em 14/02/2024.). Nesse sentido, o atual ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, enfatizou que mais de 80% da matriz energética brasileira é “limpa e renovável”. (Disponível em: https://www.gov.br/mme/pt-br/assuntos/noticias/brasil-bate-recorde-de-expansao-da-energia-solar-em-2023. Acessado em 14/02/2024.).

[2] Disponível em https://www.epe.gov.br/pt/abcdenergia/matriz-energetica-e-eletrica. Acessado em 14/02/2024.

[3] Neologismo que se refere ao produtor que é, ao mesmo tempo, consumidor de energia. Disponível em https://megawhat.energy/verbetes/388/prosumidor. Acessado em 14/02/2024.

[4] Trata-se de previsão legal constante no artigo 26 da Lei 14.300/2022: “Art 26. As disposições constantes do art. 17 desta Lei não se aplicam até 31 de dezembro de 2045 para unidades beneficiárias da energia oriunda de microgeradores e minigeradores: I – existentes na data de publicação desta Lei; ou II – que protocolarem solicitação de acesso na distribuidora em até 12 (doze) meses contados da publicação desta Lei.”. Dessa forma, até 31/12/2025, esses geradores serão isentos da Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (“TUSD”), que é um encargo legal do setor elétrico brasileiro relacionado à utilização do sistema de distribuição.

[5] “O Brasil atingiu a marca histórica de 40 gigawatts (GW) de potência instalada operacional da fonte solar fotovoltaica, somando grandes usinas solares e sistemas de geração própria de energia em telhados, fachadas e pequenos terrenos, reporta a Associação Brasileira de Energia fotovoltaica (Absolar). Segundo mapeamento da entidade, a participação da fonte solar equivale atualmente a 17,4% da matriz elétrica brasileira. [...] No segmento de geração distribuída de energia, são 27,5 GW de potência instalada da fonte solar.” Disponível em https://www.canalenergia.com.br/noticias/53272676/fonte-solar-alcanca-40-gw-de-potencia-instalada-operacional. Acessado em 24/03/2024.

[6] O SIN registrou que, em 2023, a geração de energia elétrica teve a menor emissão de dióxido de carbono (CO2) dos últimos onze anos. Disponível em https://www.gov.br/mme/pt-br/assuntos/noticias/geracao-de-energia-eletrica-tem-a-menor-emissao-de-co2-dos-ultimos-onze-anos. Acessado em 14/02/2024.

[7] O termo “Curva do Pato” é a denominação atribuída pelo operador independente do sistema elétrico da Califórnia (California ISO – Caiso) à representação gráfica da carga líquida de energia elétrica decorrente da diferença entre demanda total e a geração solar. Disponível em: https://megawhat.energy/verbetes/69727/curva-do-pato. Acessado em 14/02/2024.

*Amanda Lamachão Cardoso é advogada Corporativa na Karpowership Brasil Energia Ltda. Pós-graduanda no MBA Executivo em Gestão e Business Law pela FGV e graduada em Direito pela PUC-RJ.

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