Mecanismo de Realocação de Energia (MRE)

O que é: mecanismo financeiro de compartilhamento de riscos hidrológicos associados às usinas hidrelétricas conectadas ao Sistema Interligado Nacional (SIN).

Como funciona: devido às dimensões do sistema elétrico brasileiro, com diferença de regime hidrológico entre as regiões e períodos secos e úmidos não coincidentes, as hidrelétricas produzem volumes variados de energia ao longo do ano. Dessa forma, o governo atribui a cada hidrelétrica uma determinada garantia física (volume de energia que está autorizada a comercializar).

Ao aderir ao MRE, as usinas que produzem acima da garantia física repassam esse excedente para as que geraram menos que suas respectivas garantias físicas. Assim, espera-se que a produção abaixo do esperado de uma hidrelétrica no Sul do país, por exemplo, seja compensada pela produção a maior registrada por outra hidrelétrica, que pode estar situada em outra região (por exemplo, o Norte do país).

A razão entre a geração total de energia e a soma das garantias físicas das usinas do MRE é calculada pelo GSF (Generation Scaling Factor).

Não é permitido vender excedentes mesmo quando todas as usinas estão gerando acima da soma das garantias físicas. O que ocorre é a liquidação dessa energia na CCEE. Pode até ser entendida como uma venda a PLD, mas não é comercialização. A energia secundária não pode ser vendida a terceiros.

Da mesma forma, não há necessidade de compra de energia para honrar os contratos de comercialização. A entrega de energia em contratos é com base na garantia física da usina. E a garantia física para fins comerciais não é afetada pelo GSF. Entretanto, a garantia física para fins de contabilização na CCEE é ajustada em função do GSF apurado. Nesse caso, se a GF for menor do que o compromisso contratual, há liquidação do déficit na CCEE valorada ao PLD.

Exemplo:

GF – 10

Contrato de Venda – 9

GSF apurado – 0,8


Avaliação da GF para fins comerciais:

Recurso – 10 (que é a GF)

Requisito – 9 (que é o contrato de venda)

Recurso menos Requisito = 1 (não há déficit de lastro, não precisa comprar contratos de energia para honrar a venda)


Avaliação da GF para fins de contabilização na CCEE:

Recurso – 8 (que é a GF multiplicada pelo GSF)

Requisito – 9 (que é o contrato de venda)

Recurso menos Requisito = -1 (o déficit é valorado ao PLD)


A adesão ao MRE é obrigatória para as hidrelétricas com potência instalada maior ou igual a 50 MW e com despacho centralizado pelo Operador Nacional do Sistema (ONS). É facultativa para as demais usinas hidrelétricas, como PCHs, mas ao aderir ao mecanismo, só podem ser excluídos mediante solicitação ou em caso de perda de outorga.

Histórico: o MRE foi regulamentado pelo Poder Concedente por meio do Decreto 2.655/1998, e do Decreto 3.653/2000. O mecanismo foi criado no âmbito do projeto RE-SEB, a fim de permitir a reformulação do mercado de energia elétrica do país.

O MRE ganhou mais notoriedade no setor elétrico, e também na economia brasileira, a partir de 2014, quando o GSF passou a registrar, mês após mês, um número menor do que 1, isto é, a produção total das hidrelétricas do MRE ficou continuamente abaixo da soma das respectivas garantias físicas.

Historicamente, admitia-se no setor elétrico um risco hidrológico equivalente a 5% de déficit, que era utilizado como premissa para o cálculo da garantia física das usinas. Desta forma, um GSF de pelo menos 0,95 era aceito pelas geradoras, pois elas trabalhavam com uma folga, vendendo, em geral, até 95% de suas garantias físicas. Na prática, porém, o GSF tem ficado abaixo, inclusive, de 0,95.

Esse resultado leva as geradoras à posição de devedoras na liquidação do mercado de curto prazo da CCEE e, por isso, precisam comprar energia para honrar seus compromissos, e têm motivado um movimento de judicialização no setor elétrico brasileiro, ao mesmo tempo que o governo ainda tenta encontrar caminhos para solucionar o impasse.

Parte do problema foi resolvido em 2015, com a Medida Provisória 688/2015, convertida na Lei 13.203/2015, que realocou o risco de geração sobre contratos regulados para o consumidor. O tema também teve regulamentação pela Resolução Aneel 684/2015.

A MP estabeleceu um prêmio de risco, como se fosse um seguro a ser pago pelos geradores. A partir de 2016 as usinas passaram a assumir um risco de 12% da energia contratada – acima desse percentual, o risco passou a ser do sistema. Esse risco de 12% passou a ser compensado por meio de um mecanismo cujo prêmio de risco corresponde a 7% da energia gerada.

Os agentes puderam optar por diferentes percentuais para a adesão ao risco e escalonamento foi definido de acordo com o nível de GSF eventualmente assumido pelo gerador – os empreendedores tinham opções para possibilidades de exposição. Para usinas com contratos no mercado regulado (ACR), os percentuais estavam atrelados a três classes de produtos – P, SP e SPR. Até novembro de 2018, 140 usinas haviam  repactuado o risco dos contratos no ACR e o produto SP 100 é o predominante.

Quando o risco supera 12%, ou seja, o GSF supera 88%, a diferença é coberta pela Conta Bandeiras, de onde sairá o dinheiro que pagará a exposição das usinas.

Os geradores também tiveram que abrir mão de direitos e obrigações referentes, respectivamente, à liquidação da energia secundária e ao deslocamento de geração hidrelétrica, decorrentes de ajustes do MRE, no Mercado de Curto Prazo.

Esses direitos e obrigações foram cedidos para a Conta Bandeiras. Em outras palavras, o ônus do risco hidrológico foi convertido neste pagamento. O passivo de 2015 foi transformado em ativo regulatório e caso o prazo para pagamento desse ônus não fosse suficiente, o MME poderia estender o prazo de outorga, num período de até 15 anos.

Ao repassar o risco hidrológico para o consumidor, as distribuidoras passaram a arrecadar o valor nas contas de energia e direcionar para a Conta Bandeiras, relativa às bandeiras tarifárias.

Ao aderir ao acordo proposto pela MP 688, as usinas teriam que desistir de eventuais ações judiciais. Usinas com contratos no mercado regulado aderiram ao acordo, mas as que detinham contratos no mercado livre não aceitaram tais condições e mantiveram as ações judiciais. É esse impasse que ainda não teve solução.

É bom saber também: o MRE foi criado dentro da lógica da matriz energética essencialmente hidrelétrica. Com a diversificação da matriz energética, que resultou na operação de usinas termelétricas, eólicas e solares, e a severa estiagem iniciada em 2014, as hidrelétricas passaram a gerar abaixo da garantia física de forma generalizada. A apuração e contabilização da geração das usinas acima e abaixo da garantia física é de responsabilidade da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).